23 de nov. de 2008

ENTREVISTA COM DJ RODRIGO LOBBÃO

Grupo: Música Eletrônica - por: Amanda, Clara Luna, Marcus Davis, Mariana Sudário, Paulo Antônio, Robson Bonfim

Clara- Nós sabemos que a música eletrônica é uma música contemporânea; que muitos ainda não tiveram acesso para ouvir, ou se ouviram, foi muito pouco, e sempre o que passa na mídia de massa. A e-mucic se alastrou pelo mundo com a disseminação do uso de novas tecnologias. Daí inclusive vem o nome TECHNO(technology). Como foi que aconteceu o surgimento da música eletrônica?

Rodrigo Lobbão- Na verdade é o seguinte: A gente não pode pensar em música eletrônica como uma coisa muito nova, porque nova mesmo ela não é. Existem pessoas nesse século e mesmo na metade do século passado, que já trabalhavam com experimentações de eletroacústica. Na década de 50 teve o Stockin Housen, que era um alemão, que foi o grande gênio dessa história. Ele trabalhava a questão da música eletroacústica, mas de uma forma bem experimental, mais acadêmica, mais de universidade, onde ele era técnico. Foi ele que influenciou outras pessoas com essa nova experimentação. E o que ele fazia? Ele gerava sons que não eram elétricos, eram sons da natureza e ele sintetizava tudo isso, os sons que já existiam, mas fazia de uma forma diferente. Mas tudo experimentalmente falando. Ele trabalhava de uma forma mais acadêmica, não era nada comercial. A música eletrônica só foi se tornar “pop” (eu digo “pop”, a partir de quando foi colocada a venda para as pessoas), quando Kraftwerk apareceu. Assim como os Beatles estavam pro rock, Kraftwerk estava para a música eletrônica. Foi ele um dos grandes pais da música eletrônica. Na verdade eram quatro jovens alemães, que eram alunos do Stockin Housen. Eles tinham uma cultura bem engraçada, que nas capas dos discos deles, eles se fingiam de robôs, nas entrevistas deles,falavam como robôs. Eles tinham todo um conceito em cima disso. E o som deles era um som bastante eletrônico. Tanto é que na época, os músicos falavam que aquela era uma música morta, a música sem ser música. Para um músico erudito, clássico, para ele ali não era música, não era tocado, não existia um instrumento palpável pra se tocar aquilo ali. E o Kraftwerk realmente foi um dos caras que mostraram aquela música, que levaram pro mundo “pop”. Ele influenciou um monte de jovens pelo mundo, não só na Europa, mas também nos Estados Unidos, os jovens dos países mais desenvolvidos na época. Foi ai que surgiram as mais variadas vertentes que nós conhecemos hoje. A gente também não pode negar que a música eletrônica também teve raízes em músicas não eletrônicas, ou seja o Soul, a Funk music americana, a Funk que eu falo é tipo o James Bromw, até no reggea mesmo, o rock pisicodélico, como Pink Floid por exemplo, dentre outras várias bandas de rock psicodélico que a gente conhece. A música eletrônica também bebeu da fonte da música não eletrônica, para se construir isso que a gente vê hoje. A Disco music também foi um grande marco para a gente saber que a música eletrônica também é uma coisa dançante. Foi dai que a coisa se misturou mais. Então esses caras influenciaram varias ramificações, do Hip Hop ao Techno. Sobre o termo Techno ter vindo de técnico, isso ai já veio mais tarde com os garotos lá em Detroit que foi onde realmente o Techno nasceu, influenciado justamente por um livro chamado “ A terceira onda”, que agora eu não me lembro bem o nome do autor. Esse livro fala até de uma forma meio catastrófica do mundo futurista. E esses jovens estavam desanimados porque em Detroit, isso na década de 80 nos EUA, eles estavam sofrendo uma reviravolta muito grande na industrialização, porque Detroit foi uma das cidades onde as indústrias automobilísticas chegaram com muita força, e pegou todos os jovens que trabalhavam nessas indústrias comuns e botaram para fora. Ai vieram as máquinas, os computadores, aqueles robôs gigantes para fazer os carros. E sofreram muito com isso e eles quiseram mostrar na música aquele problema, a atual conjuntura que eles viviam. Então o termo TECHNO veio justamente desse livro,onde o termo technology, techno e usaram para se criar uma música que tinha influencias da House, de Chicago e Nova Iorque onde o House tinha nascido. Mas eles queriam fazer uma música com uma linha mais futurista digamos assim, com uma questão mais melancólica. O Techno surgiu assim melancólico que demonstravam um pouco o que eles estavam vivendo.Então o Techno surgiu daí. Tem outras fontes que dizem que o termo Techno nasceu na Europa só que de uma forma diferente,porque na época existiam banda de EBM que quer dizer Eletronic Body Music, que foram as primeiras bandas eletrônicas que surgiram na Europa, e essas bandas também eram chamadas de Tecno(sem o H).

C- O Pierre Levi fala Tecno sem o H, fala música tecno...

R- Música tecno, pois é. Na Europa se falava isso com essas bandas, que começaram a misturar sintetizadores com bases eletrônicas, e falavam de “tecno-pop”, “tecno-music” não só o EBM. O pessoal no começo da década de 80 veio a chamar por esse nome. O próprio Kraftwerk era chamado de Prototecno(protótipo). A gente tem várias fontes de pesquisa, mas o Techno que a gente conhece hoje em dia, o estilo Techno veio realmente de Detroit e o termo Techno foi tirado desse livro. Os garotos que eu citei aqui são “titios” talvez até avós que foram o Kevin Saunderson, Derrick May, Juan Atkins. Essa trinca foram realmente os caras que inventaram o techno.

C- Quais são os mecanismos utilizados? Quais são os instrumentos? Como é a formação dessa música? Os sons já são pré-estabelecidos? O que o produtor musical realmente faz? Os sons já são feitos nos programas de produção musical? Isso geraria uma nova música em algo que já existia...Esse é o “barato” de se fazer a e-music?

R
-Então eu tenho que te explicar toda uma história. Há 30 anos atrás, não existiam computadores como a gente conhece hoje, eles eram enormes e não eram usados para esse fim de produção musical.O que existia na época eram máquinas, baterias eletrônicas, os primeiros sintetizadores, como o Moog, que até o Black Sabbath usou, bandas de rock usavam. Na verdade existia uma evolução histórica de equipamentos né? Na década de 20 foram as primeiras experimentações com fita magnética, a fita K7, que hoje em dia já virou uma coisa de museu. A gente tem que ver essa evolução dos equipamentos. Com certeza na década de 70, os primeiros grupos fizeram as primeiras experimentações com o Magno*, ou seja baterias eletrônicas, muitas delas criadas por eles, que muitos eram técnicos de som e eles criavam os sons dessas baterias eletrônicas, faziam vários tipos de circuitos na placa para sair o som “X”.. “ah!esse som eu gostei..” Depois de um tempo foi que a indústria viu que tinha mercado para isso e começaram a investir em máquinas próprias para se produzir música; não somente para música eletrônica, várias bandas usavam isso. Ai os primeiros Djs da década de 80 começaram a ver que poderiam explorar esse lado ai das máquinas,se tirar um pouco do lado da acústica e meter mais o lado eletrônico. E ai sim, eles usavam máquinas, baterias eletrônicas, sintetizadores, uma série de coisas que hoje pouco se usa. Com a evolução dos equipamentos e da informática começaram a aparecer os softwares, que hoje são as grandes ferramentas de vários produtores. É uma facilidade muito grande, pois você leva um lap-top desses aqui, uma controladora MIDI e você tem várias oportunidades. Hoje existem vários tipos de softwares, e mini programas e aplicativos que você pode adicionar outro software e fazer suas criações. Hoje a coisa está muito fácil assim, porque antigamente você era muito limitado. Hoje é ilimitado. Os primeiros produtores de House, de techno, eles tinham pouca coisa, e era uma coisa muito “roots” na época. Ai você perguntou ai sobre a questão de ser legal ver as coisas já pré-definidas dos softwares, as bases etc. Eu acho legal o seguinte, é minha opinião: hoje você tem a facilidade de pegar “loops” ,tem muita gente trabalhando com eles, já pré produzidos. Tem um cara que faz um e bota na rede, vem outro e pega tudo e faz a música. Ai se cria uma polêmica muito grande. A música eletrônica é uma coisa comunitária, é antropofágica, “come” uma a outra, então você pode usar o “sample” de uma banda, de um grupo,de um forró e jogar no programa, mudar, botar efeito, e é essa anarquia que eu acho mais legal. A música eletrônica tem muito disso. E isso eu acho muito bacana; o que eu não acho legal é o cara pegar uma coisa pré-definida já, e só juntar e dizer que fez um som. Aí não. Montar pra mim não é uma produção. Acho legal o cara criar, montar a sua “sound bank”, o seu banco de som, fazer as batidas do seu jeito, sequenciar do meu jeito, fazer os meus “loops”, isso é legal. Os programas, quer queira ou não seguem um padrão, uma interface, onde você pode utilizar o processo de produção. É uma coisa que não dá muito pra gente “tampar o sol com a peneira” o programa está lá, ele te dar as bases, se você quiser usar de um jeito ou de outro, é muito livre! Eu só não gosto muito da idéia de você fazer uma coisa pré-feita já, e só fazer desse jeito. Eu acho que assim você se limita muito no processo de criação. Eu acho bacana você produzir mesmo, sintetizar, mudar, trocar,sempre diferente.

C- Estamos no final de 2008. Quais são as novidades tecnológicas que estão aparecendo hoje em dia?

R
- Eu sou um dos maiores defensores da arte de discotecar. Tem gente que não acha que é arte, tem gente que acha que é. Hoje mudou muita coisa. Hoje eu sou um defensor da forma antiga de se tocar, também principalmente hoje em dia defendo a discotecagem digital. O que mudou muito hoje com o Dj foi que antigamente (há 20 anos atrás) o Dj tinha um mixer e dois toca-discos. Se você tivesse o “pitch” já estava bom demais. Estou falando da década de 80, onde o Dj pegava um disco e colocava outro, uns nem mixavam, outros já mixavam. É legal também falar das três escolas da discotecagem para a gente entender essa evolução do Dj: a do Hip-hop, onde o Dj é a própria banda, a própria orquestra, enquanto o cantor fazia as rimas no vocal, o Dj estava pegando os discos, fazendo os “scratch”, montando as bases, mudando de base para base. O Dj do Hip-hop tem aquela coisa assim muito performática, de usar o toca-disco como instrumento musical. A outra escola que eu queria falar é a Disco Music, que é a escola das mixagens que a gente conhece, das músicas ininterruptas. E a terceira escola é a do Sound System jamaicano, onde os DJ’s, na Jamaica, não eram chamados DJ’s, e sim, Selectar. Então esses caras montavam o sound system com várias caixas, aí montavam uma “pilhada” de caixas malucas, botavam dois toca-discos e um mixer, e ficavam cantando reggae. Foi daí onde surgiu o Movimento do Reggae Roots. Essas três escolas foram as que influenciaram o que é o DJ hoje. Só que muita coisa evoluiu, no começo da década de 90, começaram a aparecer os CD’s com pitch, que são os CD players que conhecemos como “CDJ” ou “Denon”, que foi o primeiro CD player que existiu. O CD estava crescendo no mercado, enquanto os Vinis já não eram comercialmente viáveis. Existia também a questão mais prática, de poder se levar só um Cd, tem o preço também,mas muita gente que ainda não tinha vontade de tocar com Cd, o vinil durou e ainda dura muito tempo. A questão é que hoje em dia, século XXI muitos Dj´s usam laptop, softwares onde você pode mixar e construir a música ao vivo, a coisa está muito livre! Eu sou um dos poucos defensores do vinil e agora defensor das novas tecnologias e a maneira que eu encontrei para poder tocar foi com simuladores de vinil que hoje também está se tornando uma febre, uma coisa crescente no mundo dos Dj´s, porque hoje você vê que o vinil é caro para a gente, tem que comprar fora, quem mora lá fora nem tanto, mas a gente aqui sofre. Existem softwares que simulam o vinil; você coloca o vinil lá, bota a agulha, no vinil não tem nada gravado, o que está gravado está no laptop.Existem vários no mercado. Tem o Serato, o Traktor, o Torq, tem vários, mas esses três são os mais usados no mercado. Então sobre a questão de discotecagem hoje, foi-se o tempo em que se dizia “Dj que é Dj toca em vinil” Eu não sou mais assim, na verdade nunca fui assim. Tem gente que é mais radical do que eu, mas hoje a gente está livre, temos possibilidades de você tocar a música, de construir e aquela coisa ficar meio que um “Live”. Para quem não sabe um “Live PA” é você levar um estúdio ali ao vivo e tocar suas músicas, de autoria própria naquele momento para as pessoas. Live na verdade é tocar ao vivo as músicas que você fez, como se fosse uma banda, você está com o laptop, com um teclado e você toca ao vivo. A discotecagem é diferente. Você pode tocar uma música sua gravada, mas você está tocando, com também músicas de outros Dj´s, outros produtores. Hoje com essas possibilidades de softwares você pode pegar a música de produtor “X” e desconstruir a música e deixar totalmente diferente naquela execução e soar como uma coisa sua. Hoje você tem mixer com efeitos, a tecnologia cresceu bastante e espero que cresça cada vez mais, porque isso auxilia não só o nosso trabalho, mas também utiliza toda a questão de discotecagem que a gente tem.

C- Tem gente que acha que o Dj é o cara que fica atrás daquela mesa, com todos aqueles equipamentos na sua frente e que sua função é apertar um botãozinho e a festa acontece. Qual é o verdadeiro papel do Dj, como ele interfere na música, na pista? Como é o retorno do público?

R
- Olha, vou ser bem sincero com você, tem muito Dj que é assim,viu? A gente conhece um monte que só faz um “playback DJ”. É complicada essa questão. O Dj é um cara que acima de tudo está tocando música para as pessoas. Existem várias concepções de o que é um Dj. A minha é: o Dj é um artista, se expressando, tem que ter presença de palco, ele tem que incrementar isso. Não só a questão técnica de você manipular os discos, o Cds, o mixer, os softwares. Tem a questão do “feeling”, do “feedback” com o público. Eu acho que hoje é fácil ser Dj. Quando eu comecei ser Dj era muito difícil.

C- Há quanto tempo você é Dj?

R
- Eu sou Dj há 15 anos. Na época que eu comecei, os caras já falavam isso para mim: “hoje ser Dj é muito fácil!”. Para você ver: na época os caras que começaram mesmo, que falaram isso para mim, era mais difícil ainda. Lógico! Tudo que a gente falou aqui das possibilidades tecnológicas, hoje a Internet mudou muito isso. Hoje o cara baixa meia dúzia de músicas e toca nas festas. O cara é amigo do produtor “tal” e ele tem pena e bota o cara para tocar “Taí, o cara é Dj agora!” Mas uma coisa é certa, a questão do “feeling” e do “feedback” o cara só adquire com o tempo, não adianta, o cara não vai pegar de uma hora para a outra. Eu acho que realmente o Dj está ali se expressando, é um artista se expressando. Muita gente não vê desse jeito, muita gente que é leiga vê o Dj como o “Jukebox”, os caras que tocam mais em casas comerciais, eu sei disso porque eu também trabalho em casa comercial (Órbita bar). O público tem a concepção de que o Dj tem que tocar aquilo que ela quer escutar naquele momento, e isso é complicado, porque ele pensa “Ah!Mas não tem o Cd? Bota o Cd e toca!” Não é bem assim. O Dj hoje tem uma personalidade, e como um médico que procura áreas na Medicina, o Dj também procura. O Dj é um artista! Muitos deles realmente tocam de verdade apesar dessas facilidades tecnológicas, mixam ou não,pois existem softwares que já fazem isso, mas tem a sua identidade. Essa questão do softwares bate de frente com o Dj que gosta de tocar na forma antiga, mas hoje em dia tem softwares que a pessoa toca e nem precisa ajustar o “pitch”, que é o controle de velocidade da música. Talvez o mais importante hoje em dia seja a escolha do repertório em detrimento de uma técnica excelente. Eu vejo muito Dj que tem uma técnica muito boa mas o feeling para a pista não é muito legal, assim como o contrário tb acontece. Então, assim, tem muito Dj que não sabe nada sobre a manipulação dos toca-discos, softwares e dizem que fazem “Live” e na verdade não é bem um “Live”, e tem Dj que faz um “Live PA” mesmo, fazendo ali as músicas que está tocando ou então discotecando mesmo, botando agulha, mixando, pegando o “pitch”.

C- Há 15 anos atrás essa sua entrada no mundo da música eletrônica como foi?

R
- Tem uma frase de um Dj que eu acho legal e vou usá-la “eu fui fã de ser Dj antes de música eletrônia e qualquer outra coisa”. Na minha casa meu pai tinha um equipamento caseiro,mas que era um equipamento que pouca gente tinha. Tinha um mixer antigo, tinham dois toca-discos. Meu pai tinha rolo, equipamentos mais antigos, mas que até hoje ele tem em casa e isso pra mim foi uma influência. Eu vi ele mexendo com aquilo e peguei gosto em manipular o equipamento, a música, poder voltar a música, botar a agulha e tocar. Eu gostei de ser Dj antes de tudo. Eu escutava muito rádio, via muitos Dj’s que tinham muita cultura (hoje talvez nem tanto). Na época que eu comecei eu achava a magia de ver um cara mixando uma música com a outra algo incrível. Eu tinha os equipamentos, só não que não sabia como fazer, né? Eu passei por muitas fases, aquela onda que acho que hoje em dia o pessoal nem conheça, o Funk Melody, o Electro de Miami, , depois veio a época da Dance Music eu era menino ainda, mas escutava. Ai foi quando eu comecei a ser Dj, fiz curso de mixagem, fui atrás e vi que meus equipamentos davam para tocar mesmo sendo meio arcaicos, rústico, em um dos toca discos tinha “pitch” e o outro não, aprendi nisso. Eu passei por várias fases para chegar onde eu cheguei. Eu acho legal esses Dj´s novos que estão entrando, é diferente hoje, porque a coisa está digamos, mais fácil. O Dj fala “ eu quero tocar House, eu quero tocar Deep House, quero tocar Minimal, Psy trance, Drum ‘n bass...” Na época que eu comecei não existia nada disso! Dance Music era uma coisa toda junta. Eu ia pras matinês e escutava R&B, Hip-hop, italo House, Dance underground, peguei coisas da Europa. Em Brasília foi que eu comecei. Um pouco antes de eu vir para Fortaleza, foi quando eu me interessei mais pela música eletrônica underground, pelo cenário “clubber” de Nova Iorque. Foi nessa época que começaram a surgir as primeiras festas eletrônicas em Brasília, eu não chegava a ir, pois escutava mais em rádio mesmo. Cheguei em Fortaleza em 1995, e vi a cidade totalmente oposta a essa cultura, porque aqui era uma coisa bem pequena, tinham Dj’s, mas era um coisa bem comercial. As boates daqui rolava de Dance a Axé, era uma coisa louca. Mas foi assim que veio toda essa minha fome por essa cultura eletrônica, eu nem sei explicar, eu falo até com uma certa euforia, que eu não precisei viajar para Londres, para São Paulo, lógico, eu era Dj tinha a questão da necessidade de comprar os discos, revistas. Era tudo importado, a Internet era o único meio de eu ler e me informar, sempre vendo os discos que saiam. Ligava para as lojas em SP em Brasília, e na maioria das vezes eles não tinham.

Outro ponto positivo, eu ter começado em uma cena mais underground GLS, na década de 90 eles eram o único público que curtia música eletrônica aqui. Ainda era pequeno, e essas casas gays tocavam muita coisa comercial. Eu toquei muito em casa GLS. Só que existia um público que também gostava de um som diferente. Até os donos da casa viajavam e traziam CD’s para mim. Foi ai que eu conheci o Fran, e o Zozó que conheci um pouco depois, que foram os caras que começaram mesmo as coisas aqui em Fortaleza. Pioneiros, eles meteram as caras “eu vou tocar isso!” na época da acid house. Imagina Fortaleza em 88? Os caras já tocavam acid house aqui. Claro que eles misturavam com muita coisa comercial da época, tipo Madona, essas coisas. Mas eles tocarem aquele som naquela época 88/89 em Fortaleza é de tirar o chapéu. Eu peguei esses caras como influência.

C- O nome Rodrigo Lobbão representa a vanguarda da música eletrônica no Ceará. Você é um DJ super respeitado pelo público e também por outros DJ’s locais, ensinou vários a tocar através de seu antigo núcleo, o Undergroove; como começou o Undergroove e quem eram os membros?

R
- Na verdade, curso mesmo, eu dei para pouca gente. Eu acho que a geração que foi criada de DJ’s vieram pós Fil e Arlequim, principalmente o Arlequim. O Fil, na verdade, não fez curso comigo. Eu e o Arlequim o pegamos meio que “na marra”, dia após dia. Tem gente que é auto-didata, né? Não foi bem um curso.

C- E o Undergroove?

R
- O Undergroove foi um grupo de amigos, de pessoas aficcionadas pela música eletrônica, insatisfeitas com o cenário musical da época, não existiam festas periódicas. E o que aconteceu foi que o Fran* e o Zozó que fizeram as primeiras e festas e tocaram nas primeiras casas de música eletrônica, nas periferias, e depois disso, eles tocaram em festas periódicas. Era uma pequena parcela que freqüentava essas festas, antigamente. Ficou uma lacuna aqui em Fortaleza. O Domínio Público foi um local onde rolava música eletrônica, mas o que tocava era Chemical Brothers, Prodigy, ou seja, não era nada que pudesse ser chamado mesmo de festa de música eletrônica. O que aconteceu? Nós pegamos o grupo Pragatecno como referência, que é um coletivo de música eletrônica de João Pessoa, e pensamos “vamos juntar um grupo”. Na época, a união era mais do que necessária. Aí apareceu o Angel, o Fil, eu, o Arlequim, o Hudson, o Cristiano (Chris DB), fizemos um evento chamado “Digitais”, na UFC, que foi o Fil que elaborou na época em que ele estudava arquitetura lá, e foi daí que surgiu o Undergroove, mais ou menos em 1999. Mas não havia uma satisfação total, eu tocava uma coisa que eu gostava, mas não era exatamente o que eu queria. Logo depois criamos o site, que talvez tenha sido o primeiro portal de música eletrônica do Ceará, e foi nesse portal que criamos um fórum, começamos as discussões, tomando como referência o RRAURL (www.rraurl.com). Em resumo, foi a união de amigos, colegas, conhecidos, não necessariamente DJ's (alguns não eram). Fazíamos festas na Praia de Iracema, quase mensalmente, num total de aproximadamente 30 festas.

C- E o público dessas festas, era em torno de quantas pessoas?

R
- Não era tão grande, mas dava sempre de 300 a 500 pessoas. Era uma coisa nova, atraía alguns pela novidade que representava, era o pessoal mais "antenado" da época que freqüentava. Também tinha a questão de que, na época, a Praia de Iracema era o "point" da cidade, então haviam vários locais onde fazer festas, como o Teatro do Boca Rica e o Hey Ho Rock Bar. Queríamos mostrar da música eletrônica o lado mais conceitual da coisa, algo como um hobby, uma coisa de aficcionados, que haviam pessoas que entendiam, discutiam... Nós pegamos uma base muito legal por aqui no começo, tivemos sorte de ter pessoas legais colaborando.

C- Qual a principal diferença que você vê entre essa época, em que haviam pessoas que entendiam, e agora?

R
- Bom, hoje existe um grande mercado em torno da música eletrônica, mas ainda é possível existir também existir algo conceitual. E é bom que apareçam coisas conceituais, "underground" (sem ser sinônimo de "podreira", mas sim, algo sofisticado). Mas apareceram uns produtores oportunistas, até mesmo DJ's oportunistas, interessados não apenas no dinheiro, mas também em aparecer. Batíamos de frente com os DJ's mais comerciais, que não têm personalidade no som que tocam. Mas enfim, acho que hoje em dia falta aquela coisa mais informativa, do conhecimento mesmo.

C- A mídia tem cada vez mais alardeado que as raves estão totalmente ligadas ao uso das drogas sintéticas. Qual a sua visão a respeito dessa suposta ligação?

R
- Nós vivemos num país que é muito hipócrita, demagogo. Sabemos que a droga é um mal social. E drogas são coisas fáceis de comprar, seja no forró, na micareta, na esquina da sua casa... A mídia gosta muito de mostrar apenas um lado da questão, às vezes até mesmo pela falta de preparo acadêmico por parte dos jornalistas (sejam da TV ou de jornais impressos). Não vão a fundo buscar e levar informação às pessoas. A questão é que as drogas sempre existiram, sempre vão existir, e cabe aos usuários ter cabeça na hora de usá-las. Não vou ser hipócrita aqui e dizer "não usem drogas", mas é o que eu digo às minhas sobrinhas que estão começando a freqüentar essas festas. É muito fácil se perder. O que eu acho é que as pessoas precisam de informação, equilíbrio, e, principalmente, bom-senso.

C- E a questão dos menores de idade que freqüentam as "raves"?

R
- Eu sou contra. Eu acho que deveria haver uma forma mais rigorosa de controlar o acesso de pessoas menores de idade nas festas de música eletrônica. Esses menores podem desencadear uma coisa bem pior, até mesmo relacionado à mídia.

C- Quando estávamos falando de música eletrônica na minha sala e discutindo sobre o trabalho, uma colega do grupo perguntou: "Eu nunca fui a uma rave. Como é, a gente chega e já dão uma bala na nossa mão pra ficar muito doida?". Você, Rodrigo, disse a pouco que era completamente "careta" com relação a drogas. O que você teria a dizer a uma pessoa que nunca foi a uma festa de música eletrônica por puro preconceito, mesmo curiosa por conhecer aquele ambiente?

R- Bom, eu diria para ela ir a uma dessas festas. Essa pessoa deveria tirar o demônio do preconceito dela e ir com a cabeça aberta, ver o que acontece lá. Seja numa "rave" ou num "club". Muita gente pensa que vai chegar num ambiente assim e encontrar um monte de gente louca, "se passando". É o puro preconceito. Pessoas assim não enxergam seriedade nos freqüentadores aquele ambiente. Mas eu queria que ela fosse a uma festa de música eletrônica, sim.

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